Refletir sobre os desafios e a prática da Televisão Universitária no Brasil é um dos objetivos do Blog TV UFAM. Iniciamos a seção Entrevistas com o professor Fernando Moreira, presidente da Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU) e diretor da TV Univap. Na conversa, realizada por webconferênica, Fernando Moreira avalia as conquistas que as emissoras universitárias tiveram desde a entrada em vigor da Lei do Cabo e o atual cenário que vivenciam as TVs universitárias. Confira a entrevista completa:
Confira vídeo com resumo da entrevista.
Desde que passou a vigorar a Lei do Cabo (Lei Nº 8.977/1995), quais foram as conquistas das TVs Universitárias?
Prof. Fernando Moreira: Desde a implantação da Lei do Cabo, em 1995, houve a criação de muitas TVs Universitárias. Facilitou muito a questão burocrática de você ter acesso a uma televisão. Até porque os canais já eram obrigatórios, então era só fazer o pedido à operadora de cabo. A grande questão é que montar uma televisão universitária teoricamente é fácil, a questão é a manutenção dessa TV, fazer ela funcionar num modelo normal de televisão. Ou seja, a partir da Lei do Cabo, ficou mais fácil a questão burocrática e muitas universidades se entusiasmaram. Algumas dessas TVs não vingaram, mas muitas têm já os seus 20 anos.
Quais os principais desafios das TVs Universitárias atualmente?
Prof. Fernando Moreira: Um desafio constante é a TV Universitária se mostrar uma peça importante dentro de todo o contexto universitário. Ou seja, ela não pode ser um apêndice, não pode ser uma TV ligada a um só departamento. Ela pode ser um apoio à área de comunicação da universidade, mas, principalmente, ser aquele espaço que faz dela uma TV diferente das outras. Uma TV que vai mostrar ciência, tecnologia e educação de uma maneira diferente e, principalmente, mostrar a universidade para a comunidade. Só mostrando a sua importância é que ela sobrevive.
Na verdade, a televisão universitária é o grande papel da extensão da universidade. Ela tem que ser um difusor da ciência e da educação produzida dentro da universidade para mostrar isso para a comunidade em geral, seja a local, seja a nacional. No papel local, é onde se dá a grande importância da TV Universitária, porque você tem uma série de meios de comunicação que tratam muito das questões gerais da comunidade e poucos que tratam da ciência e da educação. A ciência e a educação têm um espaço muito pequeno dentro da mídia. E o papel da TV Universitária é esse de mostrar o quanto a ciência faz parte da comunidade, o quanto a ciência colabora com a comunidade. Se você conseguir mostrar isso para a comunidade local, você está fazendo um grande papel, levando informação transformada em conhecimento e gerando uma grande transformação nessa comunidade.
De forma geral, as TVs estão vinculadas a que órgãos das Universidades (Reitoria, Assessorias de comunicação, Pró-Reitorias etc.)? A ABTU tem algum levantamento desses dados?
Prof. Fernando Moreira: Hoje nós percebemos que existe um equilíbrio. As TVs não estão vinculadas só ao curso de Comunicação. A maioria está vinculada à área de Comunicação da Universidade, diretamente à Reitoria, fazendo o seu papel de extensão. Nós não temos exatamente os dados, pois isso muda, principalmente, agora na questão econômica. Existe a necessidade de a TV se alocar mais próxima dos cursos de Comunicação para viabilizar a sua existência. Mas o mais importante é fazer isso e manter a sua identidade como uma TV da Universidade, não só de uma Faculdade ou de um curso. No nosso caso [da TV Univap], estamos fazendo um modelo em que durante o dia é uma televisão convencional e à noite é como um laboratório auxiliar para colaborar com o curso de Comunicação, em projetos que exigem um laboratório mais sofisticado. Não é transformar a TV em um laboratório, mas fazer com que ela participe mais da comunidade acadêmica. Ela colabora de maneira mais direta com a formação dos alunos. E os alunos, na maioria das universidades, têm uma curiosidade e uma busca muito grande de participar dessas TVs. Eles veem a TV como um espaço diferenciado de aprendizado. Então, abrir espaço para a participação maior do aluno – claro, de uma maneira que não atrapalhe o desenvolvimento da TV – é uma maneira muito boa da TV colaborar com o curso e viabilizar a sua existência. Dessa forma, a TV, além de participar como um órgão de comunicação da universidade, participa também na parte formativa.
De modo geral, como as TVs Universitárias se mantêm financeiramente?
Prof. Fernando Moreira: A maioria das TVs universitária se mantêm só com a verba da universidade. Todas buscam alguma forma de financiamento externo. A única forma que nós temos hoje de recursos externos são as formas de patrocínio, o patrocínio cultural. Isso restringe bastante o trabalho, mas algumas conseguem trabalhar. Muitas trabalham buscando projetos externos, principalmente projetos de pesquisa, inserindo uma nova forma de trabalho na TV que é também fazer pesquisa na área de televisão e comunicação. Mas a maior verba é sempre proveniente da própria universidade. São elas que mantêm as TVs Universitárias, sem nenhum ou pouco apoio externo.
A crise que o Brasil vivencia está impactando as TVs Universitárias?
Prof. Fernando Moreira: Na verdade, as universidades vão ser mais afetadas a partir do segundo semestre do ano que vem. As universidades que são públicas, que dependem totalmente de verba pública, já estão tendo seus problemas de falta de repasse. As universidades que são comunitárias ou particulares ainda não foram totalmente afetadas porque os seus processos seletivos aconteceram em janeiro, fevereiro, março. Houve uma entrada de alunos. Em geral, essa entrada de alunos foi menor. Isso, é claro, afeta as universidades e acaba afetando as TVs Universitárias. É nesse momento que as TVs Universitárias têm que se mostrar importante no contexto e buscar formas criativas de colaborar com a instituição, principalmente, com a parte de formação.
Como o senhor avalia a programação das TVs Universitárias no Brasil? As TVs Universitárias estão produzindo programas, séries e outros produtos de qualidade e que cativam o público?
Prof. Fernando Moreira: É sempre aquela questão... Quando estamos em reunião, a gente sempre ouve falar: “Ah! Vocês que trabalham com TV Universitária, o jovem é muito criativo, ele pode produzir programas diferentes...”. Eu ouço isso de os jovens produzirem programas diferentes, programas criativos, tem mais de 20 anos. A questão é: fazer uma programação diferente nós conseguimos chegar até certo nível. Porque a produção de televisão é cara. A gente pode ser criativo até certo ponto. Depois disso a gente precisa de mais recurso.
A maioria das produções é ligada a debates ou entrevistas, que é um tipo de produção barata e lenta. Com relação a outras produções, existem várias iniciativas na produção de séries, mas a produção de uma série demanda, dentro da TV, um tempo bastante longo, até pela questão de custo. Em média, demora dois anos para produzir uma série com doze capítulos, com um programa a cada dois meses. Não é uma produção constante, são episódios que acontecem. O que nós mais temos na produção de televisão universitária são esses programas de debates e entrevistas. Como trabalhos especiais, temos documentários. Aí é uma média de um documentário a cada três meses, não mais rápido do que isso, pois a produção de documentário demanda tempo e pesquisa. Até por estarmos inseridos no contexto acadêmico, a produção de documentário é muito maior do que numa televisão normal. A preocupação com a qualidade da informação é muito grande.
Como se dá a participação da comunidade acadêmica e da sociedade nas TVs universitárias?
Prof. Fernando Moreira: Também é uma questão bastante difícil. Quando nós falamos a comunidade acadêmica, nós vemos no alunado uma gana, uma vontade de participar muito forte na TV. Em alguns momentos nós vemos que os professores se mostram disponíveis. Mas, em geral, o que nós percebemos é que existem algumas áreas nas universidades que se aproximam mais da TV e outras áreas que se afastam. Em alguns momentos, cobram da TV, querem participar da TV... Mas, quando percebem que fazer televisão não é simplesmente ser convidado para participar de um programa, que é uma questão trabalhosa, acabam se afastando. Fazer televisão é como futebol: todo mundo acha que entende e, quando você entra em um modelo profissional, não é tão simples assim. E aí a comunidade acaba se afastando.
Outra questão que a gente ver muito é a apresentação da ciência na televisão. Os pesquisadores querem se aproximar, querem mostrar as suas pesquisas porque sabem que é importante para a divulgação de seus trabalhos, mas, quando eles veem que a televisão tem o tempo como fator limitante, eles também se afastam. Quando chegamos e dizemos: “Vamos fazer uma entrevista com o senhor para falar sobre a pesquisa que o senhor está fazendo”, ele acha que tem uma hora para falar sobre aquilo. E, quando isso faz parte de uma matéria que você tem um minuto e meio ou até três minutos, ele acha isso absurdo. Ele demorou dez anos para fazer aquela pesquisa e só tem três minutos para falar... Temos que trabalhar com os pesquisadores, fazendo com que eles entendam como [a televisão] funciona, fazer um bom trabalho de jornalismo científico para fazer a transcodificação da linguagem e mostrar que estamos instigando as pessoas a conhecerem a sua pesquisa.
O modelo ideal para fazer a aproximação da comunidade acadêmica são os debates, porque para o pesquisador a palavra é o seu instrumento mais forte. Nos programas de debates, você pode trabalhar um tempo maior, meia hora, uma hora. Você o coloca [o pesquisador] junto aos seus pares, com um bom mediador, e você consegue fazer com que o tema seja aprofundado e isso agrada muito. O programa de debate é uma forma de atrair a comunidade interna para apresentar os seus conteúdos. Já com relação à comunidade externa, é um trabalho constante de fazer com que a comunidade seja representada de uma maneira na TV. Isso é: fazer com que a TV busque temáticas que sejam importantes para a comunidade, mostre à comunidade como a ciência interfere na sua vida, fazer com que a universidade seja mostrada de uma forma prática. E também mostrando que a TV universitária, como espaço de aprendizado, está gerando novos profissionais que vão interagir com essa comunidade.
As TVs Universitárias estão sabendo utilizar a internet ao seu favor?
Prof. Fernando Moreira: É um aprendizado geral para todos. Nós estamos pesquisando bastante, estamos trabalhando de forma a entender esse novo processo por qual a TV vem passando. Hoje nós não podemos falar em televisão nesse modelo que nós conhecemos unidirecional. Todas as TVs têm trabalhado com os seus canais de acesso sob demanda. Normalmente, trabalhando com ferramentas gratuitas, em que você disponibiliza o seu conteúdo. A agilidade da televisão é que sempre é uma questão... Nós não conseguimos assim que acaba de veicular um programa e já disponibilizar. Mas a maioria disponibiliza isso em pelo menos um dia ou dois [depois]. Então você tem o material disponível sempre na internet. A gente ver que a comunidade acadêmica gosta muito disso porque ela tem um material para mostrar, para difundir os seus trabalhos. Pode, inclusive, anexar os links nos relatórios de pesquisa. O uso de Simulcast [ transmissão em mais de um meio aos mesmo tempo] acontece muitas vezes, em sua maioria em caso de palestras.
O uso de mídia social quando se está fazendo os programas tem acontecido muito, principalmente quando o programa é ao vivo. Mas o que tem acontecido é usar a mídia sociais para fazer a aproximação maior com a comunidade, para que ela possa sugerir e interagir. A Televisão Universitária brasileira, pontualmente, tem sido um espaço de pesquisa e experimentação nessa área. Existem já testes com Twitter automático. Existem testes com interatividade, inclusive, com muitas televisões fazendo suas pesquisas sobre interatividade. Uma interatividade dentro do sistema de cabo exige aí uma aproximação maior com a operadora. Eu acho que a TV universitária nesse espaço de experimentação está de parabéns. Mesmo sem recurso, mesmo sem grande apoio, ela tem conseguido ser um espaço de experimentação. Isso a gente percebe também uma falha da própria televisão comercial... Ela tem que ver a televisão universitária como seu parceiro, porque a televisão universitária está formando o seu futuro profissional. Ela pode se aproximar da televisão universitária justamente para experimentar. É o que acontece, por exemplo, com a televisão educativa. Quantos modelos surgiram na televisão educativa e que depois foram adotados na televisão comercial? A televisão comercial corre sérios riscos quando faz experimentação, pois depende de verbas que vem da audiência. Se ela faz a experimentação errada, ela sofre prejuízo financeiro. Como a TV universitária não tem vinculação direta com a audiência, ela pode ser um espaço de experimentação para trabalhar em conjunto. Mas realmente falta essa visão: de que a TV comercial pode se utilizar da TV universitária como um ponto de experimentação não só de novos talentos, mas também na questão de formatos e no uso da interatividade e das mídias em geral.
Como é o funcionamento de um consórcio na gestão de um canal universitário?
Prof. Fernando Moreira: Sempre de maneira democrática e com modelos diferenciados. Mas a maioria trabalha com loteamento de horário. Porque a gente sabe, pelo modelo convencional de televisão, que os horários estão ligados às audiências. É um modo que você pode não atingir exatamente o seu público. Mas realmente é difícil você equilibrar isso dentro de várias experiências de televisão. Acontece também o sorteio, divisão dos horários por semana, nem toda TV fica com o mesmo dia e com o mesmo horário. Tem um modelo muito diferente que é a alternação de horário de forma diária. É difícil, mas democraticamente a gente consegue chegar a um consenso. Um bom estudo de programação, usando técnicas de programação horizontal (sempre o mesmo horário), vertical (com duplicação de programação no mesmo dia) e a diagonal (como é mais ou menos o modelo da TV à cabo ), fazendo esse equilíbrio, você consegue agradar a todos e fazer com que, em algum momento, a sua TV tenha mais audiência.
Qual a principal diferença, hoje, entre TVs universitárias das TVs comerciais?
Prof. Fernando Moreira: Além da questão da busca de financiamento, o principal são os objetivos. Apesar de que, na própria legislação, a TV comercial surge com os objetivos de cidadania, educação, mesmos objetivos das TVs educativas e universitárias. A questão é que esses princípios não são mantidos. A televisão universitária tem como objetivo a difusão da ciência, da tecnologia, da educação e de dar apoio à formação. Então ela faz parte do contexto da universidade, que tem em seus objetivos o ensino, a pesquisa e a extensão, e a TV universitária acaba se inserindo nessas três partes da universidade. Nesse ponto, ela é totalmente diferente da TV comercial, que busca seus índices de audiência para aumentar os ganhos. A TV universitária não tem nenhum tipo de vínculo com isso. Claro que ela também busca a audiência, mas uma audiência qualificada.